Livros

Em oito anos de atuação o circuito editorial Profundanças editou três antologias literárias e fotográficas que seguem disponíveis para download gratuito. O conjunto desses e-books expressa as conexões que rasuram as distâncias, fazendo com que escritoras e fotógrafes localizadas/es nos diferentes territórios estejam irmanadas/es pelas desobediências. Tudo em Profundanças é diálogo, encontro de dicções e experiências autorais diferentes, somos afluência.

Como o diálogo só se faz plenitude com a participação de pessoas leitoras, convidamos vocês a navegarem por essas águas:

Profundanças 1

organização:  Daniela Galdino
produção: Voo Audiovisual
assistentes de produção: Cajuh Almeida e Dandara Galdino
arte final: Binho Brill
autoras: Belisa Parente, Brisa Aziz, Calila das Mercês, Celeste Bastos, Daniela Galdino, Fernanda Limão, Lorenza Mucida, Márcia Soares, Potira Castro, Raquel Galvão, Renailda Cazumbá, Say Adinkra, Valquíria Lima.
fotógrafes: Amanda Pietra, Ana Lee, Andreza Mona, Augusto Flávio Roque, Emuanuela Alves, Eline Luz, Fafá M. Araújo, Guigo Amaral, Jéssica Sueli, Luiza Cazumbá, May Barros, Martinho Souza, Pedro Liberal e Ravena Revenster.

Viagem ao centro da roda

2014: o ano em que levei a sério os versos do nosso Jorge de Souza Araújo: “preciso tomar uma providência em minha vida/ preciso tomar uma vida em minha providência…/ preciso tomar uma/ preciso tomar ar”. Resultado: consciente de que não havia escapatória, decidi adiar a publicação do meu terceiro livro de poemas e embarcar, de vez, numa ação coletiva.

Nesses últimos três anos assumi até o talo a condição de migrante pendular. Acentuaram-se as andanças, os trânsitos e, por consequência, as interações com pessoas incríveis, diversas. Mulheres, sobretudo. Mulheres que tem mania de se vestir com palavras. Foram incontáveis os encontros inusitados – em locais improváveis. Vez outra era convidada a escutar poemas, trechos de crônicas ou contos. Fosse pelas ondas da virtualidade ou no encontro sob um sol abrasante, o certo é que desenvolvi a vontade de alinhavar.

Tantas conversas causaram perturbações. E o incômodo maior era esse: as gavetas engolindo tantos escritos. A cena se repetindo em lugares tão díspares (Recife, Itabuna, Feira de Santana, Ilhéus, Garanhuns, Brumado, Salvador). Gaveta: vala comum? Dessa perturbação surgiu a ideia de organizar uma antologia literária.

A primeira coincidência que notei entre essas mulheres: o ativismo na formação de leitor@s. Aos poucos ficou perceptível que o interesse pela Literatura ia além e resguardava experiências íntimas de escrita. Ou seja, essas mulheres, apesar das experiências de leitura e/ou difusão literária, repetiam a cena do engavetamento de textos e, cada vez mais, eram acentuadas as distâncias com possíveis leitor@s.

Conhecendo de perto a escrita dessas mulheres e com a ânsia de ampliar as possibilidades de interações, passei a levar mais a sério a ideia de organizar uma antologia que trouxesse à tona o que se chama de “cadeia ininterrupta de insurgências” (C.f. SPIVAK). O lugar ocupado pela literatura na vida dessas “comedoras de proibidos frutos” é imenso: forma de sobrevivência(s), contragolpes certeiros, antídoto ao desencanto.

Aqui estão autoras inéditas, autoras que já divulgaram seus textos via internet (mas que nunca publicaram livro individual) e ainda autoras que publicaram somente 01 livro individual. E como a literatura sempre se abre a outras possibilidades de diálogo, veio a necessidade de inserir o trabalho de jovens fotógraf@s sensíveis às formas de resistência feminina. Portanto, para cada autora convidada contamos com um/a fotógraf@ que produziu um ensaio cujo foco é a revelação da presença feminina nos seus espaços de origem/atuação. A atmosfera de cada ensaio foi de livre criação d@ fotógraf@ correspondente.

PROFUNDANÇAS, desde a sua gênese, se apresentou como um projeto colaborativo, sem fins lucrativos. Agora, com a materialização deste livro, digo/dizemos: a principal intenção é conferir visibilidade às produções que encenam outros lugares para os corpos de mulheres, bem como a diversidade nas formas de autorrepresentação.

Quem participa de ritual(is) sabe que há o segredo. Aquilo que só pode ser retratado na memória, no baú de lembranças, pois, sendo parte íntima da ritualística, é compartilhado por poucos. Há, também, no ritual, o que pode ser dito, dado ao conhecimento a círculos maiores. Respeitando as dinâmicas do segredo PROFUNDANÇAS pendula entre o guardado e o transbordado das gavetas dos dias. No intermédio: as expansões dos seres.

SEGREDO, PACIÊNCIA, FLUIDEZ, SINTONIA. APRENDIZADO DA CALMA, DA ESPERA. TEMPORALIDADE OUTRA. Fiquei pensando nesses elementos….
ainda mais nos contextos de organização virtualística do cotidiano. Em tempos de redes sociais e marés virtuais o tempo se organiza apressadamente. Há enxurradas de imagens, informações.  O tempo do nosso ritual é outro. E, junt@s, estamos desaprendendo, reaprendendo. Nem tudo está previsto, mas muita coisa está acontecida.

Façamos uma roda. Vamos dar as mãos. Vamos voltar os nossos olhos para o centro da roda. De lá emana a energia que se espalha. Na roda não há hierarquia…
Sabem aqueles rituais de nomeação? A criança vem ao mundo, é dançada, cantada, mergulhada em águas e as palavras se reorganizam para significar essa existência nascente.

O nome, a palavra. É preciso uma temporalidade desaprendida para que a nomeação se faça. Fluidezas trouxeram à tona uma palavra inventada: PROFUNDANÇAS.

Agô às forças do universo! A criança está entre nós.

Daniela Galdino 

Profundanças 2

organização: Daniela Galdino
edição: Voo Audiovisual
autoras: Aidil Araújo Lima, Ana Mendes, Andréa Mascarenhas, Daniela Galdino, Dayane Rocha, Débora Ramos, Erika Cotrim, Haísa Lima, JeisiEkê de Lundu, Laiz Carvalho, Larissa Pereira, Lílian Almeida, Mel Andrade, Miriam Alves, Rita Santana e Thalita Peixe de Medeiros
fotógrafes: Adrian Greyce, Ana Lee, Andrezza Tavares, Brenda Matos, Camila Camila, Catarina Barbosa, Cláudio Gomes, Haísa Lima, Henrique Valença, Inajara Diz, João Caique, João Santana, Josi Oliveira, Lanmi Tripoli, Leticia Ribeiro, Mariana Lisboa, Shai Andrade, Rodrigo Iris e Ytallo Barreto. produção: Daniela Galdino, Edson Bastos e Henrique Filho.
assistentes de produção: Dandara Galdino, Jennifer Bonfim e Karine Fênix.
assessoria de imprensa: Jennifer Bonfim e Tacila Mendes. designer: Ícaro Gibran social
media: Mel Andrade
ilustradora: Bruna Risério

Cá estamos na continuidade da desobediência. Por refutarmos as dinâmicas literárias que, a cada dia, fabricam a nossa invisibilidade. Por sabermos que somos muitas em profundas relações com a palavra. Por sentirmos uma necessidade avassaladora de falar com outres, ouvir as palavras suas. Por sabermos que alguns nos querem mortas.

Neste segundo volume de Profundanças apresentamo-nos: dezesseis escritoras, dezenove fotógrafes. Mais do que soma, aqui importa o encontro de vozes dissidentes, pois das vivências cotidianas temos retirado a matéria da re-existência nos lugares onde estamos – e não para onde nos predestinam. Vias sinuosas, veredas interrompidas e reinventadas nos colocaram em convergência. Novamente a roda se faz e nela projetamos sussurros que se expandem até reverberar em outros corpos. Agora já estamos irmanades pelo grito.

Mais do que nunca bradar se faz necessário. O nosso país está de garganta atravessada por um golpe. Um estado de exceção orquestrado ao modo jurídico-parlamentar irmanado a segmentos sociais odiadores tem violentando as nossas sensibilidades e usurpado os nossos direitos. Estamos na mira constante: nós, mulheres – ainda mais se negras, indígenas, trans, lésbicas, pobres. Ou sucumbimos à mira, ou inventamos formas de re-existir.

Odiadores não representam a totalidade do mundo. É preciso arrancar esperança aos dias e lançá-la em garrafas, balões, ruas, muros, livros. Cá estamos para dizer que a literatura é também o nosso foco de re-existência aos golpes – sejam eles nas grandes esferas ou nos circuitos íntimos. Por isso é muito significativo que Profundanças 2 seja lançada no dia 06 de julho, data de nascimento da pintora mexicana Frida Kahlo. Escolher essa data significa dar visibilidade a uma extensa genealogia de combates cotidianos que nos põem irmanades, ainda que as limitações temporais nunca nos tenham permitido um encontro direto. As indireções, sim, têm nos convergido. Os caminhos são díspares, mas as relações nós as construímos.

Nossos corpos inflados por outras lutas, outros sonhos em balões que nos antecederam. E dessa maneira escrevemos, criamos narrativas visuais de autorrepresentações quando, indirecionadamente, desejamos que outres aqui se reconheçam. E que nos reconheçamos nas re-existências de quem também está sob a mira do ódio, do aniquilamento e do desencanto.

Cá estamos: escritoras inéditas (em sua maioria), algumas já com um livro autoral publicado, três com mais de um livro. A horizontalidade (e não as hierarquias que marcam as disputas literárias) é o que nos move, também essa a razão de cá estarmos sem determinação de aonde chegaremos. Profundanças, desde a sua estreia em 2014, é um espaço de diálogos, expansões artísticas e democratização.

Muito embora saibamos que o acesso virtual tenha amplitude recortada, insistimos em disponibilizar o livro gratuitamente na esperança de que seja lido nos mais diferentes contextos, por diferentes sujeitos. Se a roda que nos colocou em contato, fazendo surgir este livro, for recriada em outros espaços, com modos desobedientes de leitura, o grito irá reverberar com muita força. Afinal, o fato de estarmos numa ação literária e fotográfica colaborativa já implode as formas como a literatura tem se tornado uma propriedade de poucos. Só o muito nos contenta. Cá estamos…

Daniela Galdino  (Organizadora)

Profundanças 3

organização: Daniela Galdino
edição: Voo Audiovisual escritoras: A Luz Bárbara, Bárbara Uila, Cynthia C S Barra, Daniela Galdino, Ezter Liu, Francisca Araújo, Gessyka Santos, Isabelly Moreira, Joana Velozo, Jovina Souza, Marina Melo, MonaRios, Mônica Menezes, NegrAnória d’Oxum, Odailta Alves, Odília Nunes, Paula Santana, Raiça Bonfim, Tatiana Dias Gomes, Tereza Sá, Vânia Melo, Yasmin Morais.
fotógrafes: Andreza Mona, Ângelo Azuos, Álvaro Severo, Analu Nogueira, Brenda Matos, Diego Mallo, Eline Luz, Fafá Araújo, Laís Aranha, Luísa Medeiros, Maria Ruana, Mariana Souto, Mylena Sousa, Nathália Miranda, Nathália Tenório, Renata Pires, Sarah Fernandes, Silvia Leme, Tacila Mendes, Tom Correia, Uiara Moura, Yalli Borges.
produção: Daniela Galdino, Edson Bastos e Henrique Filho.
assessoria de imprensa: Elis Matos, Iajima Silena, Lucirley Alves.
designer: Otávio Rêgo
social media: Dandara Galdino, Laísa Eça
fotógrafa homenageada (imagens capa e páginas de transição): Nátali Yamas

Palavras, imagens: oferendas coletivas

 Há 494 dias ecoa uma pergunta cortante e ainda sem resposta: quem mandou matar Marielle Franco? Para que essa pergunta não seja esquecida, dizemos: estamos conscientes de que as mãos dos carrascos não interromperam Marielle. De fato, ela virou semente e, em nome da sua memória de sonho/luta, estamos aqui.

O que temos a dizer nestes tempos de violência racial e de gênero que se associam aos ataques fascistas? Quais palavras brotam da nossa labuta diária quando o cotidiano é atravessado por incontáveis tentativas de aniquilamento das esperanças? Quais imagens podem representar as nossas formas de re-existência?

Este livro compõe a tríade desobediente e voltada à difusão da escrita de mulheres diversas e convergentes, cuja atuação sensível e política se dá à margem dos eixos dominantes (e limitados, ao nosso ver) de publicação literária. Enquanto houver concentração editorial – fator que tem alimentado a invisibilidade e o silenciamento de mulheres escritoras, sobretudo negras – haverá Profundanças e faremos coro com outras ações que têm transgredido essa lógica excludente.

Profundanças 3 soma-se às antologias literárias e fotográficas que lançamos em 2017 e 2014, compondo um mapeamento com dinâmica muito própria. Somos um projeto independente e colaborativo num país em que se elimina o Ministério da Cultura e outras agências de fomento. Ao mesmo tempo em que trazemos à tona este livro, seguimos lutando pela sobrevivência do que ainda restou de políticas públicas. Estamos nesses movimentos conjugados, mas como temos urgências, construímos o nosso caminho dissidente – a nossa guerrilha.

Nesta antologia estão 22 escritoras da Bahia, Paraíba, de Pernambuco, do Rio Grande do Norte e São Paulo. Em sua maioria, inéditas; três delas com livros autorais já em circulação; uma contemplada por um expressivo prêmio literário. Ao acessar os capítulos de Profundanças 3, possivelmente xs leitorxs terão dificuldades em categorizá-las – isso porque tudo aqui se articula para reforçar a horizontalidade, os fluxos e os encontros entre mulheres que escrevem a partir dos seus lugares de diferenças.

As palavras que escrevemos ninguém pode apagar. E são essas palavras que agora, irmanadas com imagens, lançamos às águas, soltando-as no imedível para que reverberem no íntimo de outros seres sensíveis que estão nos lugares inimagináveis, mas que existem e resistem como nós.

Profundanças 3 é o nosso livro-oferenda ao mundo, antes de tudo dedicado a Marielle Franco, que em 2019 teria completado 40 anos de idade. Para fortalecer os laços intergeracionais, nesta edição homenageamos Nátali Yamas, jovem fotógrafa negra com forte atuação em Itacaré e no território cultural do Litoral Sul (BA). Assim, ornado pelas várias mãos de escritoras, fotógrafes, produtoras e outres artistas visuais, este livro-oferenda toma corpo para alcançar margens, quintais, riachos, terreiros, mares, esquinas, encruzilhadas e compor diálogos. Queremo-nos confluindo as nossas diferentes formas de combates.

Agô!Pedimos licença às forças que regem o universo e fazemos o convite para que, juntes, naveguemos por estas águas cintiladas por transgressões, esperanças, desobediências, intensidades e singelezas.

Marielle Franco presente!

Daniela Galdino (Organizadora)